
Teatro – Quem tem medo do maldito Plínio Marcos?
Olá!Professor, fazendo sua caminhada?
– É preciso, ao entardecer é mais agradável.
– Sente-se aqui.Podemos ver as saias e conversar.
Sorriu. Subiu os degraus e sentou-se._Gostou da palestra?
– É um tema delicado.Pouco se fala desse período.
– Sim.Como se a Anistia significasse tudo resolvido ou esqueçam tudo.
– Sabe que eu penso? Parece que querem jogar o passado em baixo do tapete.
– Quem?
– Ora!Certos intelectuais, parte da mídia.Sabe, a minha geração não se interessa pelo passado.
– E, isso não é dialético.É preciso passar a História a limpo.Tirar lições dos erros do passado, e evita-los no presente, abre novos caminhos para o futuro.Cabe aos mais velhos, a minha geração falar sobre o passado.
– Percebe-se que, politicamente correto hoje, é não discutir as mazelas da repressão.
– Completamente.
– Posso lhe assegurar que o tema tocou fundo nos jovens.Estamos discutindo em aula.
– Nos “Anos de Chumbo” como dizem os intelectuais, o pau comeu feio.
– E, há depoimentos sobre tudo isto?
– Sim.Atualmente parte das atrocidades foi revelada.Depoimentos, ações judiciais contra o Estado por violações aos Direitos Humanos.Mas, ainda falta abrir arquivos sobre os desaparecidos e fatos a serem apurados.
– O senhor esteve lá professor? Sabe tudo!
– Não, eu não sei nada- mostrou um sorriso amargo e arrematou_Você precisa ler…
– Aceita um dos meus?
Ele olhou o maço. Vacilante, puxou um, acendeu, experimentou e soprou um rolo de fumaça azulada.
– Dos intelectuais da elite não espere muita coisa.
– O senhor esta muito amargo.Olhe este mar…O horizonte…O azul…
Levantou os olhos._Você tem razão.São praias maravilhosas…
– Com as gatas mais lindas.De uma olhada professor.
– Você tem bom gosto!… os velhos são amargos.Tudo mudou, esta cidade mudou…
– Deixe de ser nostálgico ou talvez melancólico.É o progresso professor.
– Melancólico, não.Se eu deixei algo por fazer, não me arrependo.
– Tenho dúvidas.
– Não entendi!
– A geração perdida, não lhe diz nada?A utopia de uma nova sociedade.Vocês têm uma dívida com a minha geração. Sim!
Abaixou a cabeça._ Pagamos um preço muito alto pelos nossos erros.Perdemos.Pensou um instante _Mas a ditadura foi desmoralizada.
– Desculpe não tive a intenção de tocar em feridas abertas, mas ainda somos os mesmos, e vivemos como nossos pais, como diz Belchior.
Tragou o cigarro.Conseguiu recompor-se.Olhou-o.
– Cabe a geração de vocês retomar as bandeiras.Nós, desgraçadamente envelhecemos.
– Verdade seja dita.Tirando os oportunistas e renegados, alguns poucos como o professor, são respeitados.
– Não! Absolutamente, não são poucos.Tento resgatar minha auto-estima escrevendo e fazendo palestras…Mas a nostalgia às vezes me incomoda.
– Sim! Sorriu com amabilidade (ou com ironia) _Fale de sua nostalgia professor!
– Costumo dizer que nasci no século vinte, mas culturalmente sou do século dezenove.
– Pena.Estamos no século vinte e um, e o Romantismo virou poeira secular, não é mesmo?
Sorriu.Deu outra tragada.A fumaça saia lentamente pelas narinas.
– Mas, tem certas coisas que tem que ser preservadas.
– O que, por exemplo?
– A cultura popular, é uma forma de preservar a memória de uma comunidade.
– É folclore.
– Penso que não.São tradições muito vivas que devem passar de gerações para gerações.É a identidade de um povo, e não pode ser vista como peça de museu.
– A globalização esta aí para contradizer sua teoria.
– Pelo contrario, é neste contexto que a cultura popular vai sobreviver.São asraízes da nacionalidade.
– Realmente.Entretanto nesta cidade muitas tradições de cultura popular estão se perdendo.A juventude pouco ou nada sabe das festas, casos, costumes…
_O que não dizer da gente simples do povo, protagonistas de cultura popular que marcaram seu tempo e a vida da cidade.
– O ensino não se interessa por cultura popular e eu também.A vida que tenho levado…Não me sobra tempo para ler.
– Correndo atrás das saias?
Sorriu.
– Tente se organizar, e o tempo para leitura aparece.
– Ler o que professor?
– Plínio Marcos.
– O Maldito?
– Sim.O metalúrgico,poeta, filósofo, teatrólogo, escritor, artista circense e místico. O “extra ordinário” Plínio.Quer mais?
– Hum!-disse, franzindo o cenho.
– Quem tem medo de Plínio Marcos?
– Bem!Alguns intelectuais ainda torcem o nariz para as obras dele.
– A elite é preconceituosa.Não gosta de cultura popular e subversiva.
– São subservientes as grandes mídias, professor?
– Exatamente.Os intelectuais, as editoras, estão compromissados com o Estabelecido, ser bem-sucedidos, notoriedade, produção de best sellers, auto-ajuda e quetais de retorno garantido…
– Os jovens deviam estudar o maldito?
– Sim.Suas obras são conhecidas no exterior.
– Plínio, um multimídia globalizado?
– Não exatamente. Globalizado lembra neoliberalismo, este laboratório de ph.Ds. a serviço do capital financeiro transnacional – Sorriu.
– Como direi…..Ham!…Um multimídia até certo ponto apagado, não acha?
Pensou (se conteve)…Sorriu. _Sabe… É como o Fênix, vermelho, magnífico, sempre surge das cinzas.
– Fênix, o pássaro alado, hum!
– Sim, o “pássaro alado”!…Estava contemplando o horizonte rubro._Agora tenho que ir. Obrigado. Levantou-se.
– Desculpe o mau jeito professor- disse, observando-o atentamente.
Ele sorriu e abanou a mão. _Até a vista! Desceu os degraus e seguiu com passos lentos pela calçada na direção ao Gonzaga.
– Até professor!Ele já ia distante.
Ela chegou com o fone no ouvido, cantarolando e sacudindo a cabeça.Beijaram-se.Ele pediu um Red Bull.Ela sacudindo a cabeça.
– Dois!Estupidamente gelados- Ela alertou o garçom, baixando o fone no pescoço.
Marcos de Barros– nasceu em Santos, em 29 de Setembro de 1935, e faleceu em São Paulo, em 19 de Novembro de 1999.– Mais resultados de www.pliniomarcos.com
TEATRO:
Navalha na Carne, Quando as Máquinas Param, Homens de Papel, Barrela, Dois Perdidos Numa Noite Suja, O Abajur Lilás,Oração para um Pé- de- Chinelo, Madame Blavatsky, e outros.
LIVROS:
O ASSASSINATO DO ANÃO DO CARALHO GRANDE, HISTÓRIAS DAS QUEBRADAS
DO MUNDARÉU, (2004), NA BARRA DO CATIMBÓ, romance
O TRUQUE DOS ESPELHOS, contos autobiográficos, CANÇÕES E REFLEXÕES DE UM PALHAÇO
Textos curtos: INÚTIL CANTO E INÚTIL PRANTO PELOS ANJOS CAÍDOS
contos, e outros.
“Ser impedido de trabalhar, de ganhar o pão de cada dia com o suor do próprio rosto é terrível. Você tem a sensação de que é um exilado no seu próprio país. Eu sei bem como é isso. Penei. Penei muito. A minha sorte é que nunca cortei os laços com as minhas raízes. Fui camelô. Voltei pra rua pra camelar. Não caí. Não bebi. Não chorei. Nem perdi o bom-humor. Mas, sofri mais do que a mãe do porco-espinho na hora do parto, impedido de trabalhar”.
“De repente, todas as minhas peças foram proibidas. Por quê? Ninguém dizia coisa com coisa. Um filho-da-puta de um censor, num dia em que eu perguntei por que todas as minhas peças estavam proibidas, ficou nervoso:
Censor·- Porque suas peças são pornográficas e subversivas.
Plínio·- Mas por que são pornográficas e subversivas?
Censor·- São pornográficas porque têm palavrão. E são subversivas porque você sabe que não pode escrever com palavrão e escreve”.