O que aprendemos com a crise
Sarkozy e Soares com o seu capitalismo produtivo que tem de desbancar o especulativo, Merkel com a sua necessidade de controlar mais os investimentos especulativos e os demais lamentando-se de uma ou outra maneira dos desmandos do mundo das finanças – mas evitando palavras duras que possam aborrecê-lo e ao mesmo tempo todos a desunhar-se para continuar a alimentar o monstro – não merecem que lhes dediquemos muita atenção.
Depois temos os reconvertidos, economistas que perceberam tudo porque são mais espertos que os restantes e saíram do barco. Talvez o mais conhecido seja Joseph Stiglitz, que censura aos bancos o facto de se recusarem a sujeitar-se a qualquer controlo, mas quando chegam os problemas pedem ao Estado que intervenha sob a premissa de que são demasiado grandes para cair. Um pensamento profundo, como era de esperar de um nobelizado.
Vejamos agora os analistas, sociólogos e economistas da esquerda branda. É a postura da social-democracia. O que todos têm em comum é que querem consertar o que entendem como um desaguisado, sem pôr em questão o capitalismo.
Marx diria: “A isto chama-se crise de sobreprodução”. O que se passa é que as pessoas não vêem a “crise”, na medida em que pensam que uma crise significa uma alteração da vida social, com os cidadãos a correr, ou os bancos a ficar com o seu dinheiro, ou nas lojas a abastecer-se. E não se vê nada disso, as pessoas caminham normalmente pelas ruas, os bares estão cheios, etc.
E como a sobreprodução, que esteve na origem desta crise, continua aí, inclusive agravada pela redução do consumo que se origina, o Estado nada pode resolver entregando dinheiro às mãos cheias aos banqueiros e especuladores, tentando estimular o crédito e, com isso, as compras e, em consequência, a produção de bens, ainda que o adornem com supostos controles à especulação, etc. Porque na origem desta situação não está a especulação sem freio ou com ele, mas o desfasamento entre a capacidade de produzir bens e a falta de compradores.
Um dos mais importantes ensinamentos que nos oferece esta crise é que pôs a descoberto a “seriedade” e “profundidade” daquilo a que o mundo universitário chama pomposamente “ciências económicas”. Só não estão surpreendidos os que se afastaram dos programas de estudos oficiais e se lançaram em incursões por sua conta no maldito terreno da verdadeira ciência económica, que descobriu, há nada menos que 150 anos, pela mão de Marx, os mecanismos do capitalismo. E todos os caminhos que as “ciências económicas” quiseram tomar ao longo destes anos se extraviaram perante a solidez dos factos, que uma e outra vez se encarregavam de corroborar esse estudo verdadeiramente científico que insistem em ignorar.
Parece que a magnitude desta crise está a levar alguns a rever os seus estudos de economia. Registo com um sopro de esperança o publicado pelo The Guardian de 16 de Outubro: “Inclusive o ministro alemão da Economia, Peer Steinbrück, que deve ter passado algumas noites acordado nestas últimas semanas, declara-se seguidor de Marx à boca pequena. ‘Temos de admitir em geral que certas partes da teoria de Marx não são realmente assim tão más’, declarou cautelosamente ao semanário Der Spiegel.”
Realmente patético! Um ministro da Economia, e nada menos que alemão, de certeza um produto das “Ciências Económicas”, soltando semelhante dislate! Presume-se que algum “amigo” seu, com não muito boas intenções, lhe emprestou o III tomo de O Capital, onde se fala do papel do crédito no capitalismo e, ao pegar nele, caiu-lhe ao chão aberto numa página em que pôde ler: “O sistema de crédito, cujo eixo são os supostos bancos nacionais e os grandes prestamistas de dinheiro e usurários que pululam à sua volta, constitui uma enorme centralização e confere a essa classe parasitária um poder fabuloso que lhe permite não só dizimar periodicamente os capitalistas industriais, mas imiscuir-se do modo  mais perigoso na verdadeira produção, da qual este bando não sabe absolutamente nada e com a qual não tem nada que ver.” E ficou pasmado, atirando o livro para longe, como se o queimasse.
Só resta repetir o que se está a meter pelos olhos adentro: nenhuma crise pode acabar com o capitalismo, só a luta organizada dos operários e dos que aderiram à sua causa. A crise de 1929, de dimensões parecidas, só foi superada pelo capitalismo com o massacre da Segunda Guerra Mundial, depois de liquidar o excesso de força de trabalho e de meios de produção que o impediam de funcionar.