Brasil. Do Negacionismo de Esquerda às Falsas Polêmicas Contra os Protestos de Rua
"A luta contra o fascismo é a luta pela liberdade Contra o racismo, sexismo, capital e toda autoridade Alerta, alerta antifascista!" (Sin Dios).
Ao contrario dos protestos realizados pelo rebanho de Bolsonaro, ir as ruas hoje não se trata de subestimar o risco de contaminação ou um ato de heroísmo, mas sim que a conjuntura está empurrando dia após dias o povo a ocupar as ruas na tentativa de garantir a sobrevivência através da ação direta. As ações diretas de rua nesse momento, mesmo com baixa adesão, cumprem o papel de resistência à sabotagem bolsonarista e de quebra demandam dos governos políticas efetivas contra a pandemia. Bandeiras difusas ou genéricas como a «defesa da democracia» tendem a ganhar significado de classe no decorrer do processo de luta e se converterem em pautas mais concreta.
(..) Na atual conjuntura, o governo Bolsonaro não só se tornou um obstáculo institucional para o desenvolvimento de uma estratégia global eficaz para o controle da pandemia no território nacional, como também dificulta as ações coordenadas entre os diferentes níveis de governos. Hoje o governo federal vem atuando ativamente para sabotar as políticas pró-distanciamento social, seja convocando protestos, seja decretando que academias e salões de beleza são serviços essenciais, ou enrolando para aprovar a ajuda financeira aos estados e municípios da federação (…) O fato é que para garantir uma política eficaz de distanciamento social (garantidora da sobrevivência coletiva), hoje a materialidade impõe, contraditoriamente, para a classe trabalhadora as ruas como única alternativa possível para pressionar o governo federal, o congresso, os governos estaduais e as prefeituras a atuarem de forma efetiva para o controle da pandemia, da mesma forma que a lentidão proposital do governo força parte das frações da classe trabalhadora a saírem para as ruas, para retornarem aos seus postos de trabalho. (No texto Da farsa da abolição a farsa do combate ao coronavírus: O genocídio prossegue e barricadas se erguem, publicado em 22/05/2020).
Do dia 22 de maio para cá a sabotagem governamental e as mortes potencializadas por ela só vem aumentando e na contramão da barbárie a resistência popular avança sobre as ruas em tempos de pandemia. No dia 22/05 o Brasil contabilizava 21.116 mil mortes, hoje temos mais de 35 mil mortos; Há 14 dias tínhamos cerca de 332.382 mil infectados, hoje temos 621.877 de casos confirmados; No dia 22/05 a taxa de ocupação de leitos chegavam ao limite da capacidade nos grandes centros, porém hoje, além de atingirem a capacidade total em algumas cidades, ainda se aproximam da ocupação total nas cidades do interior. Entramos no terceiro mês de “distanciamento social” onde a sabotagem genocida do governo Bolsonaro foi a única vitoriosa, onde a política da esquerda institucional se limita a apostar numa esperança abstrata de queda do presidente que é alimentada pela tela da TV e se limitando a esperar, esperar e esperar a pandemia acabar. Desta forma se pode afirmar a existência de um negacionismo da esquerda que consiste na negação da realidade de que estamos em uma sinuca de bico que obriga, de forma inevitável, a classe trabalhadora organizada a assumir riscos ou simplesmente se limitar a bater panela, fazer “atos virtuais” ou paralisada esperar para assistir as pilhas de corpos de suas janelas. Porém graças ao tensionamento da guerra de classes tem gente que se cansou de esperar.
(…) Atos como estes entre outros, ao contrario dos realizados pelo rebanho de Bolsonaro, não se tratam de subestimar o risco de contaminação ou irresponsabilidade, mas sim que a conjuntura está empurrando dia após dias os trabalhadores a ocuparem as ruas na tentativa de garantirem a sobrevivência através da ação direta. As ações diretas de rua nesse momento, mesmo com baixa adesão, cumprem papéis importantes de resistência ativa e de agitação do ânimo popular, pois ao mesmo tempo em que cumprem papéis desde a luta por reivindicações imediatas até o enfretamento politico-ideológico contra a militância bolsonarista que sai às ruas, também se tornam um meio de propaganda pelo ato que vem ganhando visibilidade nas redes sociais e mídia burguesa. (No texto Da farsa da abolição a farsa do combate ao coronavírus: O genocídio prossegue e barricadas se erguem, publicado em 22/05/2020).
Desde o final de março ocorreram vários atos com diferentes pautas e fragmentados no vasto território brasileiro protagonizados quase sempre pelo proletariado marginal, a fração da classe mais sacrificada nesse período de pandemia, porém estes anos não conseguiram reverberação midiática em nível nacional, não só devido à falta de uma pauta ampla, mas devido uma situação conjuntural não propícia. Porém com o avanço da pandemia, a inércia das organizações tradicionais de classe, a indignação com os assassinatos de jovens negros no Brasil, potencializados pela convulsão social que atingiu o mundo a partir do levante negro que tomou conta dos Estados Unidos após o assassinato gravado de George Floyd, executado pela policia de Mineapollis, geraram uma virada conjuntural inesperada que favoreceu a generalização da revolta popular no Brasil e no mundo. Se hoje a desgraça pandêmica é globalizada, a revolta popular também, e atinge o território, até mesmo, dos autoproclamados donos do mundo.
(..) O objetivo de agitação ideológica quando ganham visibilidade nas mídias, desta forma podem servir para denunciar os ataques do governo e suas sabotagens contra o combate ao coronavírus; incentivar a solidariedade de classe para com os trabalhadores essenciais; encorajar a juventude, e as massas em geral, a se rebelarem; intimidar as manifestações pró-genocídio realizadas pelos grupos bolsonaristas; constranger centrais sindicais e direções dos partidos da esquerda institucional com a intenção de gerar pressão em suas bases, para quem sabe, começarem a agir. Para isso é preciso que elas sejam exploradas de forma propagandista, tanto usando a sede da mídia burguesa por noticias contra o governo, como também recrutando apoiadores capacitados, seja para registrarem nas ruas as ações ou para difundirem de suas casas. (No texto Da farsa da abolição a farsa do combate ao coronavírus: O genocídio prossegue e barricadas se erguem, publicado em 22/05/2020).
Como na política não há espaço vazio, mas sim a ser ocupado. Foi na ausência de decisão política das organizações de vanguarda (sejam elas de tendência social democrata, comunista ou anarquista) que torcidas organizadas e agrupações antifascistas decidiram acertadamente irem às ruas e cumprirem o papel da vanguarda ao agitarem os ânimos das massas. Por mais que tenham certo espontaneísmo e tragam reivindicações genéricas, estes grupos conseguiram através das suas redes de afinidades organizarem atos que foram decisivos para generalizar a revolta por todo o país. Hoje temos atos convocados nos quatro cantos do Brasil e não só um governo amedrontado com a dimensão que possa tomar o “Domingo Antifascista”, mas também a esquerda institucional e a mídia burguesa apreensivas com as possibilidades de um quebra momentânea da ordem e pedem juntas que o povo não vá às ruas neste domingo. O papel de bombeiros da crise desempenhados por ambos não tem nada de novo, porém com a realidade pandêmica ficou muito mais fácil a criação de falsas polêmicas e a assimilação delas por parte da militância de esquerda, hoje majoritariamente composta por setores das camadas médias e que em sua maioria se encontram na segurança dos seus lares, diferentemente da maioria da classe trabalhadora obrigada a sair para trabalhar.
“Temos visto um movimento crescer no país, encabeçado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, de uma ameaça de golpe militar. Os partidos não se organizam, então nós que somos o povo nos organizamos e viemos para a rua.” (Afirmou um dos fundadores da Gaviões da Fiel).
Apesar do papel corajoso cumprido por torcidas organizadas e agrupações antifascistas que fizeram com que parte da militância de esquerda se mexesse, o campo majoritário da esquerda e seus intelectuais trabalham para desmobilizar as ruas criando falsas polêmicas. As polêmicas vão desde a velha conhecida crítica, as manifestações, ao “vandalismo” e até teorias fantasiosas de que uma possível radicalização das manifestações pode gerar justificativa para um golpe militar bolsonarista. Esta ultima trata a possibilidade de golpe como uma questão de vontade e ignora a necessidade de condições histórica e materiais para realizá-lo. Além é claro, de esquecer propositalmente de que os militares tão cedo não precisarão efetuar um golpe depois que o petismo os agraciou com a Lei Antiterrorismo e o dispositivo de Garantia da Lei e da Ordem, mecanismos jurídicos constitucionais e “democráticos” já utilizados anos atrás pelo PT/MDB. Fora estas existem diversas outras falsas polêmicas, mas esse texto dará atenção a polêmica de que sair pra rua é contribuir com a pandemia.
Nesta quinta-feira senadores da Rede Sustentabilidade, PSB, PT, PDT, Cidadania e PSD lançaram uma carta na tentativa de desencorajar os manifestantes a irem às ruas. Onde a justificativa central gira em torno de avaliações do estágio atual da pandemia e no indicativo de que irão sair às ruas quando a pandemia recuar e não houver mais riscos para ocupar as ruas. Desta forma a carta continua seguindo a cartilha negacionista frente à realidade concreta de que a pandemia não recuará de forma mágica e que para um combate efetivo ao coronavírus depende necessariamente da queda ou neutralização do governo Bolsonaro, os próprios partidos já demonstraram que do parlamento não sai nada além dos discursos. Porém o discurso demagogo desses partidos, os mesmos que nos seus municípios flexibilizam o distanciamento social e lançam os trabalhadores a própria sorte, ganhou audiência nos últimos três meses e se faz necessário combate-lo.
Hoje no Brasil não se trata de ignorar os riscos e querer por pura indignação, os brasileiro foram empurrados para as ruas pelas condições materiais, a mesma materialidade que empurrou para os trabalhadores e trabalhadoras do Chile (18.73 milhões de habitantes, 122 mil infectados e 1.448 mortes), Equador (17.08 milhões de habitantes, 3.534 mil mortes e 41.575 mil infectados), Honduras (9.588 milhões de habitantes, 243 morte e 5.880 mortes), México (126.2 milhões de habitantes, 13.170 mortes e 110 mil infectados), Estados Unidos (328.2 milhões de habitantes, 111 mil mortes e 1.94 milhões de infectados) e outros países no globo.
O Brasil conta com 209.5 milhões de habitantes, hoje é considerado o país mais critico das Américas o que em qualquer outra situação levaria a uma posição unânime de se manter em casa, porém nem a vida e muito menos a ciência trabalham como o plano ideal, assim como na vida ou na ciência a materialidade é quem determina o alcance das ideias. Enquanto a realidade material for influenciada de forma decisiva pela sabotagem governamental de um governo declaradamente genocida o discurso de distanciamento social será apenas uma projeção idealista sem resultado real para conter a pandemia. Defender hoje no Brasil o boicote as manifestações, depois de três meses sem avanços reais na contenção da pandemia, é simplesmente pedir para que a população aguarde por um milagre, dentre estes a diferença é que uns verão as pilhas de corpos de suas sacadas enquanto outros esperaram a coleta dos corpos em seus barracos. De qualquer perspectiva o discurso cientificista de quem promove o boicote não serve para nada além do que mascarar um idealismo baseado numa fé abstrata de que tudo vai melhorar mesmo com um governo sabotando o combate ao vírus. Não serão manifestações que gerarão milhares de mortes, mas sim a continuidade de um governo genocida no poder.
(…) O governo Bolsonaro usa como meio de sabotagem a velha tática da operação tartaruga, trabalhando lentamente no combate a pandemia, para dificultar cada vez mais a subsistência da população e assim forçar o abandono progressivo do distanciamento social. Assim, o governo de quebra joga a batata quente nas mãos dos governos estaduais, que por sua vez jogam para os prefeitos, e estes últimos acabam em maioria cedendo e flexibilizando o distanciamento para não perderem apoio empresarial nas eleições municipais deste ano, e por fim jogam a culpa da pouca adesão na falta de consciência individual. Desta forma, o maior problema não é o negacionismo científico[23] por parte do presidente e da direita no poder, mas sim, seu objetivo claramente genocida em “sacrificar” os setores marginalizados historicamente, em prol de uma impossível retomada econômica imediata. O único negacionismo com o qual devemos nos preocupar é o nosso próprio, o negacionismo de esquerda, que tomou conta das organizações do povo, que se negam a enfrentar a realidade de que estamos em uma sinuca de bico que obriga, de forma inevitável, a classe trabalhadora organizada a assumir riscos ou simplesmente se limitar a bater panela, fazer “atos virtuais” e que continuando assim só pode esperar para assistir as pilhas de corpos de suas janelas. (No texto Da farsa da abolição a farsa do combate ao coronavírus: O genocídio prossegue e barricadas se erguem, publicado em 22/05/2020).
Se no passado a coisa já estava ruim, atualmente está mais ainda, pois a maiorias dos governos cederam perante a pressão do governo bolsonarista, realizada através do decreto que ampliou a lista de serviços essenciais autorizados a funcionar e hoje em território nacional desde salões de beleza a lojas de departamentos estão liberados. Frente a essa ação sabotadora do governo nem centrais sindicais e muito menos parlamentares de esquerda fizeram nada de efetivo e agora se dizem preocupados com a ida do povo as ruas quando a maior parte do povo já se encontra exposto ao vírus em seus postos de trabalho e em conduções lotadas. Além disso, o governo Bolsonaro vem escancarando cada vez mais sua política de sabotagem seja vetando o repasse de 8.6 bilhões destinados ao combate do coronavirus para os estados e municípios, seja com o Ministério da Saúde tirando do ar o site com dados sobre mortes e casos confirmados de coronavírus. Mas principalmente mantendo o cargo chefe do Ministério da Saúde vago e deixando sob-responsabilidade de 12 militares que não possuem formação médica, mesmo quando as forças armadas contam com vários médicos nos seus efetivos. Da maneira como o barco vem sendo tocado até mesmo as camadas médias são jogadas numa sinuca de bico, pois o privilégio de conseguir se manter em casa não significa mais nada do que aguardar para sair num cenário de maior disseminação do vírus comparado à quando entraram em quarentena, logo mesmo com o boicote, a tendência é dos próximos atos serem maiores.
As mobilizações na pandemia que iniciaram nas periferias das grandes cidades e que chegaram a suas regiões centrais graças à iniciativa militante de torcidas organizadas e agrupações antifascistas, neste domingo tende a ganhar adesão de parte significativa dos setores da juventude das camadas medias e tendem a massificar. Conflitos de interesses e métodos de ação irão surgir e as organizações comunistas e anarquistas revolucionárias, que vacilaram em não agir no primeiro momento, terão a chance de influenciarem os rumos que a luta irá tomar. Pois num momento de convulsão global em meio a uma pandemia o dilema entre a radicalização ou não do processo é inevitável, já que o grau de pressão popular gerado pode decidir quantas vezes mais serão necessárias as massas mobilizadas se exporem ao risco.
Entramos numa nova época de convulsão social e ela deve ser entendida como um período de guerra de classes aberta, pois ao se esgotarem as saídas via política institucional, a luta política avança por outros meios que colocam as vidas da militância mobilizada em risco real. Desta forma é necessário que as organizações de vanguarda, assim como as lideranças coletivas em geral, devem trabalhar no sentido de identificar e internalizar na militância quem são os inimigos a combater e o que se deseja conquistar com o combate. Não se deve repetir esse e outros erros de 2013, além de uma pandemia e um governo genocida, temos uma direita organizada e aguerrida para além do parlamento.
*Por J. Nascimento. (Militante da Causa Negra e Socialista Revolucionário por imposição da Diáspora)