
Crise infinita
A crise em que o país vive há mais de uma década não é só económica, nem uma repetição dos anteriores ciclos de crescimento e estagnação da economia nacional após a integração europeia. Com a duração de nove anos (cavaquismo, 1985/1993; guterrismo, 1994/2003), elas caracterizavam-se pela capacidade de gerarem novos ciclos de crescimento após um curto bater no fundo (um ano), num quadro geral de empobrecimento da população, desmantelamento do tecido produtivo e fuga massiva do grande capital nacional para actividades financeiras, improdutivas e especulativas por natureza.
O que caracteriza a actual crise – que, ao contrário das anteriores, já leva cinco anos de crescimento nulo – é a sua duração acompanhada do risco de recessão, e o crescimento da dívida externa para valores que se estão a aproximar dos 100%. Acresce ainda que a saída do rendimento líquido para o exterior já é 4% superior ao PIB, ou seja, à riqueza criada, e que dos 10 milhões de euros do Orçamento Comunitário que diariamente entram no país, 7 saem todos os dias sob a forma de lucros do investimento estrangeiro. O que não é difícil de perceber, uma vez que, em consequência da liquidação das actividades produtivas, estamos obrigados a importar mais de 70% do que comemos, bebemos, vestimos, dos electrodomésticos que usamos, etc.
Quer isto dizer que a crise portuguesa está para durar e não é só, nem principalmente, resultado da crise económica internacional somada à inépcia dos governos PS, PSD e CDS. Ao contrário do que oposição, governos e alguns analistas vêm dizendo, a conjuntura internacional pode explicar momentos melhores ou piores da economia nacional no quadro geral do seu agravamento contínuo e do agravamento das condições de vida dos portugueses. Não explica é o essencial.
UM MODELO ESGOTADO
A crise portuguesa resulta antes de tudo da falência do modelo de “desenvolvimento” escolhido pela nossa burguesia quando aderiu à CEE e que teve em Cavaco Silva o seu principal arquitecto. Basicamente, ele consiste em trocar a liquidação do tecido produtivo (construção naval, química, siderurgia, agricultura, pescas) pela entrada massiva dos euros das ajudas estruturais. Com o país a nadar em dinheiro, crescia a procura, e com ela, supunha-se, a pressão sobre as pequenas e médias empresas, principalmente de serviços, para responderem a essa procura com o recurso à exploração extensiva de mão-de-obra barata.
Como todos sabemos, nada disto aconteceu. E se até há pouco os despedimentos aos milhares, o desemprego sempre a crescer e o emprego cada vez mais precário, os pequenos negócios criados com as indemnizações a esfumaram-se e com eles a ilusão do “capitalismo popular”; se até há pouco o desastre que se adivinhava podia ser disfarçado pela emigração e pela catadupa de euros – permitindo os sucessivos pacotes de obras públicas, a maioria não reprodutivas (auto-estradas a torto e a direito, Expo, Centro Cultural de Belém, estádios de futebol, pontes, rotundas, casinos, construção desenfreada de casas…), geralmente concebidas como obras de regime para “deixar a marca” de quem passou pelo governo – agora, terminadas as obras, e quando já não é possível repetir a receita, o logro revela-se em toda a sua dimensão.
UMA CRISE PARA DURAR?
A classe dominante não consegue vislumbrar qualquer alternativa ao esgotado modelo cavaquista. Daí a sucessão de governos, tirados a papel químico uns dos outros, o desaparecimento das fronteiras políticas e ideológicas entre os partidos da alternância ao ponto de cada vez mais se admitir que, em nome da estabilidade governativa, esta convergência poder levar a uma recomposição do espectro partidário com a fusão do PS com o PSD, criando-se o partido do “centrão”.
Mas não saber como resolver a crise é coisa que não incomoda por aí além a nossa classe dominante    – o modelo só é mau para os trabalhadores, e estes estão longe de constituir uma ameaça ao seu modo de vida. O país empobrece mas a grande e a média burguesia enriquecem, auferindo ganhos milionários com a especulação financeira, gordos salários e toda a espécie de mordomias. E depois, as ajudas comunitárias para o combate ao desemprego, à exclusão e à pobreza permitem-lhes criar e sustentar todo um conjunto de subsídios e apoios com que vão minorando os custos sociais do seu modelo “terceiro-mundista”, caracterizado pela contínua concentração da riqueza nas mãos de uma cleptocracia, pelo alargamento do fosso entre ricos e pobres, o reforço dos meios de repressão e a limitação das liberdades e direitos dos trabalhadores. Daí que Sócrates, PSD e CDS, embora conscientes de que mais “política do betão”, mais obras públicas sobredimensionadas, apenas vão empobrecer o país – e criar mais “elefantes brancos” – não tenham outra coisa a oferecer que não seja mais do mesmo: TGV, nova ponte sobre o Tejo, novo aeroporto. A “animação económica”, como das outras vezes, vai apenas durar o tempo que as obras durarem.
Não tendo a burguesia grandes razões para encontrar alternativas a um modelo que, apesar de esgotado, lhe permite enriquecer como nunca, qualquer mudança terá de vir dos debaixo. Resta saber que forças estão em condições de responder a este desafio, transmitindo confiança aos trabalhadores em luta e a convicção de que é possível vencer.