Brasil. PC do B completa 97anos
Os comunistas e a poesia
A esse aniversário ligo o bom artigo de André Cintra, «Dia Mundial da Poesia: 31 comunistas e seus poemas preferidos» publicado abaixo.
Ambos me levam a refletir sobre a poesia e os comunistas.
Na tentativa de uma definição geral, penso que a poesia é, em primeiro lugar, um bem que não admite devolução. Assim como nos versos de poema de Alberto da Cunha Melo:
«Eis o que é jovem a cada lembrança
porque não tem data
e série, para envelhecer.
O que hoje recebes
Não pode ser devolvido»
Em segundo lugar, a poesia é um presente a que a gente sempre volta, porque mantém o mesmo frescor de antes, como um carinho de infância antiga, mas sempre renovado. A poesia é um bem que falando para um indivíduo, no mais íntimo da pessoa, fala ao mesmo tempo para toda a humanidade.
Creio que o poema não deve ser confundido com determinados temas, ao assunto, a um canto ao orvalho na flor. A poesia rejeita o perfume que perfuma a rosa. Nem poder confundida com a obscuridade, que com frequência é vista como sublime. Mas o que é a poesia, enfim? Será ela somente a de significados multívocos, quando não ambíguos, com a dignificação de «poesia aberta?» Ou seria ela, mais propriamente, aquele associada ao sentido de beleza e verdade, verdade e beleza, beleza e verdade, até o sol raiar e noite adentro?
O menos arriscado é escrever sobre poesia somente com os poemas que amamos, porque descobrimos neles a expressão de um desconforto nosso, uma angústia que não teve ainda vida expressa em prosa. É se perder para se achar.
Mas a poesia, para os comunistas, o que é? Penso que ela não é só um conceito estético. Eu diria, até mesmo para todo democrata, a poesia não é só estética. Aquela célebre frase de Adorno, quando observou sob o impacto dos crimes nazistas, que escrever um poema após Auschwitz seria um ato bárbaro, lembro aqui para todo militante comunista. Mas como uma tradução. Isto é, «a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação», que Adorno escreveu, retorna para os comunistas como uma versão crítica: «A resposta à barbárie é a primeira exigência para a poesia». Exigência?! Já não causou tanto mal aos poetas uma ordem exterior? Sim, mas como escrever em noites de guerra, em dias de assassinatos políticos, em meses de crimes impunes como o de Marielle Franco? Então se pense no tamanho do fardo que temos para com estes malditos tempos, de assalto geral contra a civilização no Brasil.
Podemos então falar de outra maneira: que a poesia fale da vida, dos problemas vividos por todos nós, velhos, jovens, crianças, homens, mulheres, animais e gente. E com um acento de revolta contra o velho novo fascismo. Penso que a poesia para os comunistas é como uma revolução ou a sua promessa. Como bem expressou o poeta Daniel Lima:
«Nada será jogado no vazio.
Nem mesmo o vazio da vida,
porque é vida.
Nem mesmo o gesto inútil,
Pois que é gesto.
Nem mesmo o que não chegou a realizar-se,
Pois que é possível».
E agora retomo ao aniversário dos comunistas brasileiros na sua relação com a poesia. Quero dizer, é como uma reflexão sobre os militantes vivos, conhecidos, que o narrador fala no romance A mais Longa Duração da Juventude:
«Vejo as águias encanecerem, acompanho os fios brancos de suas cabeças se tornarem frágeis, quebradiços, e me falo e percebo que algumas não piscaram no alto. No píncaro do tempo, não decaíram, como se fossem uma revolta contra a biologia, contra a organização da vida que se desorganiza e se desintegra quando chega ao fim. Parodiando Goethe no poema Um e Tudo, eles foram atravessados pela alma do mundo, e com ela lutaram sem descanso, como se vivos pudessem ter a eternidade. Tomaram outras formas, é certo, mas mantiveram a permanência do ser da juventude».
E não sei mais como terminar o que tão pretensioso comecei.
* Urariano Mota. Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil
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https://www.brasil247.com/pt/colunistas/urarianomota/387770/Os-comunistas-e-a-poesia.htm
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Dia Mundial da Poesia: 31 comunistas e seus poemas preferidos
O governador Flávio Dino (PCdoB-MA) recitou versos do conterrâneo Gonçalves Dias. Manuela D’Ávila, candidata a vice-presidente em 2018, evocou o uruguaio Mario Benedetti. Um poema de amor do chileno Pablo Neruda é o escolhido da presidenta da UJS (União da Juventude Socialista), Carina Vitral. Já o deputado federal Renildo Calheiros (PCdoB-PE) indicou um soneto de Augusto dos Anjos. Neste 21 de março, Dia Mundial da Poesia, conheça os poemas preferidos de 31 lideranças do PCdoB.
André Cintra
A consulta foi feita pelo Prosa, Poesia e Arte no domingo (17), durante o Congresso Extraordinário do PCdoB, em São Paulo. A cada entrevistado, perguntamos qual era o poema de sua predileção. O Operário em Construção (1959), do “poetinha” Vinicius de Moraes (1913-1980), e Nosso Tempo (1945), do mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), foram as obras mais citadas – cada uma delas teve três menções.
Referência de poesia com valor artístico e político, O Operário em Construção é grandioso também na extensão. Além da epígrafe bíblica, o poema tem mais de 200 versos, como estes: “O operário foi tomado / De uma súbita emoção / Ao constatar assombrado / Que tudo naquela mesa / – Garrafa, prato, facão – / Era ele quem os fazia / Ele, um humilde operário, / Um operário em construção”.
Os três comunistas que “votaram” nele foram Altamiro Borges, o Miro, presidente de Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Everaldo Augusto presidente municipal do PCdoB Salvador; e Pedro Gorki, presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). Everaldo – que também é poeta e mestre em Literatura Brasileira – chegou a declamar todo o poema em uma manifestação do 1º de Maio na Bahia.
Dois outros comunistas se valeram de Vinicius: o escritor Elder Vieira e o cineasta Vandré Fernandes. O poema do qual Elder mais gosta é Poética I (“De manhã escureço / De dia tardo / De tarde anoiteço/ De noite ardo”). Vandré frisa Pedro, Meu Filho (“E assim como sei que toda a minha vida / foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar: / Assim é o canto que te quero cantar / Pedro, meu filho”).
“Tempo de homens partidos”
O jornalista José Carlos Ruy, colaborador do Prosa, Poesia e Arte, foi um dos comunistas que saíram em defesa de Nosso Tempo. Escrito sob o impacto da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), o poema descreve, em oito partes, os desafios e as reações de um homem diante das crescentes mazelas da vida urbana. “Mas eu não sou as coisas e me revolto”, diz um de seus versos-síntese.
Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, e Manoel Rangel, ex-presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), confluíram não apenas na escolha de Nosso Tempo. Ao anunciarem a preferência pelo poema, tanto a jornalista quanto o cineasta evocaram sua abertura antológica: “Este é tempo de partido, / tempo de homens partidos. / Em vão percorremos volumes, / viajamos e nos colorimos”.
Três outros poemas drummondianos foram citados. Dos secretários nacionais do PCdoB entrevistados, dois foram de Drummond: Adalberto Monteiro (Comunicação) elegeu Carta a Stalingrado, enquanto Javier Alfaya (Cultura) cravou No Meio do Caminho. A pintora e ilustradora Mazé Leite, por sua vez, optou por A Máquina do Mundo. Assim, o escritor mineiro é o mais presente nesta pesquisa informal do Prosa, Poesia e Arte.
Há poemas que são lembrados mais por um determinado trecho do que pelo título – e o caso do baiano Castro Alves (1847-1871) é emblemático. Duas obras de sua autoria foram designadas não pelo nome, mas por versos. “A praça! A praça é do povo / Como o céu é do condor”, declamou o ex-ministro Brizola Neto, ao manifestar sua simpatia por O Povo ao Poder. Flávia Calé, a Flavinha, presidenta da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos), fez referência à passagem mais conhecida de O Século: “Toda noite – tem auroras, / Raios – toda a escuridão. / Moços, creiamos, não tarda / A aurora da redenção”.
A exceção ficou por conta do presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, baiano como o “poeta dos escravos” e admirador de O Navio Negreiro (Tragédia no Mar). Além de apontar seu poema predileto pelo título, Renato recordou que o Dia Nacional da Poesia era comemorado em 14 de março, data do nascimento de Castro Alves. Em 2015, sob certo protesto, uma lei federal, sancionada pela presidenta – e mineira – Dilma Rousseff, transferiu a celebração para 31 de outubro, aniversário de Drummond.
Luciana Santos, a presidenta nacional do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, selecionou uma letra de música. É Canción por la Unidad de Latino America, parceria do cubano Pablo Milanés com o brasileiro Chico Buarque: «E quem garante que a História / É carroça abandonada / Numa beira de estrada / Ou numa estação inglória // A história é um carro alegre / Cheio de um povo contente / Que atropela indiferente / Todo aquele que a negue».
Opção “caseira”
A valorização das raízes – do estado de origem – é um ponto em comum nas escolhas de Flávio Dino e dos ex-senadores comunistas Inácio Arruda (CE) e Vanessa Grazziotin (AM). Dino destacou a Canção do Tamoio. “Lá no Maranhão, desde muito cedo a gente estuda e aprende a obra do Gonçalves Dias. São muito marcantes, para nós, os versos ‘Viver é lutar. / A vida é combate, / Que os fracos abate, / Que os fortes, os bravos / Só pode exaltar’”, afirmou o governador.
A opção “caseira” de Vanessa foi o amazonense Thiago de Mello: “Mesmo gostando muito, muito da Cora Coralina, vou ficar com Os Estatutos do Homem, do Thiago”, disse a ex-senadora. Aos olhos de Inácio Arruda, sobressai Cante Lá que Eu Canto Cá, do cearense Patativa do Assaré. “Foi uma resposta do Patativa ao Drummond, que parecia não gostar de um tipo mais regional de poesia”, explica.
Seu xará e amigo Inácio Carvalho, editor do Vermelho, permanece na poesia nordestina e realça Tecendo a Manhã, do pernambucano João Cabral de Melo Neto. É um dos poemas que constam no manifesto de fundação do Vermelho e que levou o portal a usar um galo como símbolo: “Um galo sozinho não tece uma manhã: / ele precisará sempre de outros galos”. O poeta e professor de Literatura Alexandre Pilati também fica no Nordeste e propõe O Açúcar, de Ferreira Gullar (“Em usinas escuras, / homens de vida amarga / e dura / produziram este açúcar / branco e puro / com que adoço meu café esta manhã em Ipanema”).
Já entre os deputados federais do PCdoB ouvidos pelo Prosa, Poesia e Arte, nenhum votou em obras de autores conterrâneos. Baiano eleito por São Paulo, Orlando Silva prescreveu Cantada, do maranhense Ferreira Gullar (“Olha, / você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro / em maio / e quase tão bonita / quanto a Revolução Cubana”).
Quem acabou por lembrar um poeta de São Paulo, Menotti Del Picchia, foi a paranaense Jandira Feghali, deputada federal pelo PCdoB-RJ e apreciadora do poema O Voo (“Que importa a rota. / Voa e canta enquanto resistirem as asas”). Renildo Calheiros, um alagoano que construiu sua trajetória política em Pernambuco, recorreu ao paraibano Augusto dos Anjos, mais precisamente a Versos Íntimos: “Vês! Ninguém assistiu ao formidável / Enterro de tua última quimera. / Somente a Ingratidão – esta pantera – / Foi tua companheira inseparável!”.
Os estrangeiros
O russo Vladimir Maiakovski aparece de forma direta e indireta na consulta. Na direta, como autor do livro-poema Vladimir Ilitch Lenin, o favorito do ex-deputado federal Aldo Arantes (PCdoB-GO): “Não devemos / nos derramar / em poças de lágrimas – / Lenin / ainda / está mais vivo do que os vivos”.
Na indireta, é fonte de inspiração de Eduardo Alves da Costa em No Caminho com Maiakovski, mencionado por Adilson Araujo, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil): “Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim. / E não dizemos nada”.
Com duas citações diretas, entre os autores estrangeiros, só mesmo Pablo Neruda e seus versos sobre o amor. “Foi por causa de Neruda que entrei no Partido Comunista”, diz Getúlio Vargas Júnior, presidente da Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores). Ele recitou um trecho de Farewell: “Amo o amor dos marinheiros / que beijam e partem. / Deixam uma promessa. / Não voltam nunca mais”. Segundo Carina Vitral, da UJS, o melhor de Neruda é um de seus Cem Sonetos de Amor: Amo-te sem Saber Como.
Ainda pela América Latina, a gaúcha Manuela D’Ávila é fã do poeta uruguaio Mario Benedetti, sobretudo de Defesa da Alegria: “Defender a alegria como uma trincheira / defendê-la do escândalo e da rotina / da miséria e dos miseráveis / das ausências transitórias / e das definitivas”.
A Europa também comparece à lista. No poema O Rosto da Paz, do francês Paul Éluard, a ex-deputada federal Jô Morais encontrou seus versos prediletos: “Nossa ventura é a vossa ventura / Nosso sol é o vosso sol / Partilhamos a vida entre nós / Espaço e tempo nos contemplam”. O professor João Quartim de Moraes (Unicamp) vislumbra a Espanha da Guerra Civil, de onde rememora Rosario, Dinamitera, de Miguel Hernandez. Eis um caso de poeta (Miguel) e personagem (Rosario) que tiveram mortes igualmente trágicas – o que redimensiona o poema.
Apenas uma das 31 indicações desta consulta foi dirigida a uma poeta. A socióloga Ana Prestes, autora do livro infantil Mirela e o Dia Internacional da Mulher, aclamou Canção de Outono, de Cecília Meireles (“Deixo-te a minha saudade / – a melhor parte de mim. / E vou por este caminho, / certa de que tudo é vão. / Que tudo é menos que o vento, / menos que as folhas do chão”).
A pesquisa feita pelo Prosa, Poesia e Arte para o Dia Mundial da Poesia não tem valor amostral. Ainda assim, revela a diversidade de gostos e estilos no imaginário dos comunistas, bem como a riqueza e pluralidade da literatura poética universal.
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http://www.vermelho.org.br/noticia/319240-1
Foto: O Operário em Construção, de Vinicius (à esq.), e Nosso Tempo, de Drummond, foram os poemas mais citados