Brasil. Isso aqui deve virar o Chile, mas para isso é preciso aprender com os médicos do Rio, antifascistas de Porto Alegre e com a Favela
"É o momento de trabalhar Mais e mais pela base, Chamemos os nossos amigos mais dispostos. Tenhamos decisão, mesmo que seja enfrentando a morte!" (Carlos Marighella)
No Brasil a militância brasileira vibra com o levante do proletariado marginal chileno[1] e da comunidade negros nos Estados Unidos[2] em plena pandemia, porém parte desta mesma esquerda ignora não só que a maioria dos(as) trabalhadores(as) brasileiros(as) enfrentam hoje os mesmos problemas que levaram nossos vizinhos a rua – fome, desemprego, assistência insuficiente, repressão policial e extermínio da população negra – porém ignoram também as ações de rua que ocorreram e que ainda ocorrem por todo o país no período de pandemia em resposta a estes e outros problemas. Tão logo é preciso ir além de dar likes e começar a somar na luta.
Em meio a pandemia e o avanço da política genocida do governo Bolsonaro o que pode significar segurança para uns, pode significar insegurança e risco existencial para outros, pois as contradições materiais somadas as contradições de raça e classe impõem necessidades e ações diferentes para cada fração da classe trabalhadora e consequentemente os graus de riscos impostos a cada fração são variáveis de acordo o caminhar da conjuntura. Mesmo comprovado cientificamente ser o isolamento social a melhor alternativa a ser seguida, para muitos, isso não se apresenta como algo viável, graças à sabotagem vinda do governo federal como a flexibilização que vem sendo concedida progressivamente ao empresariado, portanto para muitos o isolamento significa fome e morte, não podendo assim ter o seu direito a quarentena assegurado. Muitos(as) trabalhadores periféricos(as) são expostos diariamente ao vírus, pois precisam sair de suas casas para manterem a sua própria subsistência e de suas famílias, muitos vivendo em situações precárias dentro de barracos, aonde vivem famílias inteiras amontoadas, muitas vezes sem nem mesmo saneamento básico, tornando ainda mais difíceis as medidas de higienização, portanto, para esses indivíduos não há o direito garantido a quarentena e justamente por não ser garantido esse direito, que contraditoriamente, em momentos onde o melhor seria estar em isolamento social, mas como a materialidade não permite esse caminho para os que já se obrigam a se arriscarem diariamente em busca do pão de cada dia, surgem as ruas como única alternativa real para pressionar o governo federal, o congresso, os governos estaduais e as prefeituras a atuarem de forma efetiva para o controle da pandemia. Muitos dos que tem essa como a única alternativa já estão se arriscando diariamente para se manterem vivos. Portanto efetivamente para muitos esse é o único caminho que realmente poderá manter a sua subsistência.
No mundo já temos alguns exemplos de que esse se apresenta como único caminho real e efetivo para o povo historicamente marginalizado, no Chile[3] em meio à quarentena total centenas de pessoas se viram obrigados a irem as ruas no dia 18/05 para protestarem por um auxilio financeiro que realmente garanta sua subsistência, pois já estavam passando fome (fato que foi potencializado com a pandemia). Assim, como foram erguidas barricadas contra a violência policial em Florianópolis[4] no Brasil, no dia 18/05, em Argenteuil na França[5], centenas de pessoas incendiaram ruas contra o assassinato de um jovem, cometido por agentes da repressão. Estes episódios mostram que mesmo em momentos de pandemia o braço armado do Estado, segue a sua política de extermínio contra o povo pobre e periférico, e o que sobra? Resistência e luta!
Quando os governos querem salvar os bancos e os patrões, a luta é a única salvação. Por isso vimos os professores em Feira de Santana na Bahia[6], se arriscarem nas ruas dia no 18/05 protestando contra os cortes salariais na Rede Pública Municipal, realizados por Colbert Martins Filho (MBD), isso deixa bem claro que os ataques à classe trabalhadora não param, mesmo em meio à epidemia, e frente a isso surge como único caminho as mobilizações de rua após o cansaço pela espera de respostas vinda de órgãos de um Estado genocida, resposta está que nunca vem de forma eficiente, isso quando vem.
Os ataques contra a classe trabalhadora em tempos de pandemia não deixam de ser realizados, e se intensificam para além do Brasil e América Latina, como o ocorrido no bairro de Connewitz, em Leipzig na Alemanha[7], onde há um projeto das grandes construtoras com o objetivo de expulsar a população pobre da região, fazendo com que os preços dos imóveis subam. E como reafirmado várias e várias vezes, o único caminho real de ação para as populações marginalizadas são as ruas; esse foi o caminho trilhado pela população de Connewitz, a qual se levantou em reação aos planos das grandes construtoras e contra a brutalidade policial. Ainda na Alemanha, temos o grande exemplo dos trabalhadores sazonais romenos[8], que recebendo salários extremamente baixos, tendo pouca comida, ficando em alojamentos precários e não recebendo proteção contra o COVID-19, entraram em greve para forçar o Estado e o capital a lhes garantirem o mínimo para a sua subsistência. Da periferia ao centro do capitalismo trabalhadores são empurrados a uma saída pelas ruas para se manterem vivos.
Frente a todos os ataques queos(as) trabalhadores(as) vem sofrendo, no Brasil no dia 23/05, temos o grande exemplo dos(as) companheiros(as) profissionais da saúde que bloquearam ruas reivindicando a determinação total da quarentena no Rio, assim como a garantia de renda para as famílias mais pobres, a abertura de leitos público inutilizados e a requisição de leitos privados e também pela requisição de equipamentos de proteção individual adequados para os profissionais da saúde[9]. Estes trabalhadores demonstram através da ação direta a necessidade real dos atos de rua para garantia de direitos fundamentais que deveriam ser assegurados para as populações marginalizadas e que infelizmente não serão assegurados por meio da via institucional, e que não existe outro caminho a não ser pela pressão popular nas ruas.
No México os(as) trabalhadores(as) da saúde, estão convocando uma grande mobilização nacional para o dia 01/07, que será centralizado a nível federal na Ciudad de México[10], onde reivindicarão diversas demandas, em prol de um novo sistema de saúde que funcione de fato para os(as)trabalhadores(as)mexicanos(as), pois o sistema de saúde vêm sendo sucateado sistematicamente a vários anos, como ocorre no Brasil, e já não atende no dia a dia as necessidades reais do povo mexicano, e que em tempos de COVID-19 coloca os trabalhadores da saúde em uma situação de guerra, pois nesse momento se coloca em prova a capacidade de resposta por parte dos governos e seus sistemas de saúde, deixando milhões de pessoas infectados e milhares mortas. Assim como no Brasil, no México vem ocorrendo cortes e reformas em cima do sistema de seguridade social como no sistema de saúde, sistemas esses que já não vinham conseguindo suprir a demanda e cada vez mais vem sendo sistematicamente sucateados e atendendo a grande população de maneira extremamente insatisfatória, e que agora em momentos de COVID-19 se intensifica cada vez mais. Já o Equador[11] está na quarta semana de intensos protestos contra o programa neoliberal do governo que visa sucatear a saúde e educação pública, desamparar os milhares de trabalhadores e trabalhadoras demitidos durante a pandemia e aplicar a privatização de bens e serviços públicos. Da Europa a América Latina cada vez mais se evidência que a luta pela sobrevivência não pode mais esperar, que devemos enfrentar determinados riscos simplesmente pela nossa subsistência.
No municipio de Palhoça em SC comunidades não aguentam mais a situação precária a qual vinham submetidos, situação na qual poucas políticas publicas chegam até essas comunidades e quando chegam, chegam de maneira extremamente insatisfatórias, sem conseguir atender as demandas do povo, como em diversas comunidades do Brasil os(as) moradores(as) são vistos e tratados como subcidadãos e tudo isso se intensifica em meio à crise sanitária que estamos enfrentando. Em meio a tudo isso, as comunidades dos bairros Brejau e Frei Damião [12] se mobilizam para garantir que a doença não se espalhe pela região, estão sendo desenvolvidos processos de autogestão para a questão de segurança alimentar e sanitária, através da distribuição de cestas básicas e materiais de limpeza e higiene, isso vem demonstrando que quando o Estado falha em prover a subsistencia do povo, só o próprio povo por ele mesmo é capaz de se manter vivo. Porém como a situação dentro dessas comunidades vem se agravando, as lideranças comunitárias locais organizaram um ato e entregaram uma carta na qual denunciam tudo isso e exigem medidas de enfrentamento ao coronavirus, esse se apresenta como mais um grande exemplo de que a saída para os povos historicamente marginalizados não vem de bom grado por parte do Estado, e sim que para conseguirmos assegurar direitos básicos a todos os cidadãos, é apenas através de resistência e enfrentamento ao Estado e capital.
Assim como devemos buscar desenvolver ações de solidariedade e apoio mútuo, que nesse momento, como em outros, são de extrema importância, não devemos limitar nosso campo de ação apenas a tais práticas, mas avançar cada vez mais com atos de rebeldia, um grande exemplo que temos de que não devemos limitar o nosso campo de ação, são das favelas do Acari, Cidade de Deus e Providência no Rio de Janeiro e Salgueiro em São Gonçalo, comunidades que choraram pela perca de vidas de jovens periféricos, que segundo o Observatório da Segurança RJ, aponta que foram realizadas 120 operações monitoradas entre 15 de março e 19 de maio [14] , fazendo 69 mortos, sendo que em 8 das ações realizadas o confronto armado impediu a distribuição de cestas básicas e ainda ficando 8 pessoas feridas e 4 mortas. Em Acari as ações beneficentes foram interrompidas três vezes pelo caveirão, onde além de interrupção das ações beneficentes, houve invasão em creche publica e paralisação da sanitização da região. Portanto além de ações de solidariedade e apoio mútuo, devemos radicalizar a luta em prol das comunidades periféricas, pois além, da grave crise sanitária enfrentada em decorrência do COVID-19 e políticas que vem sistematicamente retirando diretos do povo marginalizado, a política de extermínio do Estado e capital prosseguem a todo vapor dentro das favelas.
Para além de ir as ruas para travar a luta material pela sobrevivência e de ações solidarias por meio do apoio mutuo em tempos de pandemia, é necessário alia-las a luta politico-ideológica contra o governo genocida e seus aliados, assim com fizeram a brava militância antifascista de Porto Alegre[13] que no último domingo (24/05) invadiram as ruas aos gritos de “Recua, fascista, recua! É o poder popular que tá na rua!” e impediram uma carreata bolsonarista pró fim das politicas de distanciamento social.
Exemplos como este e outros já citados vão além de seus objetivos específicos e tomam um caráter agitativo bastante amplo e significativo que se convertem em fagulhas em meio a um cenário politico que está a ponto de explodir. Por isso se faz necessário aproveitar este período de crise institucional, a nível de governos estaduais e federal, e fortalecer todas ações de resistência nos centros e nas periferias, pois só o povo pode salvar o próprio povo!
- Henrique (Militante das Causas Periféricas)
Referencias:
[3] https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/na-pandemia-o-chile-rebelado-outra-vez/
[4] https://www.causaoperaria.org.br/florianopolis-moradores-do-morro-do-mocoto-realizam-ato-contra-pm/
[10]https://www.facebook.com/CardioDespierta/photos/a.120351878135245/1207377282766027/?type=3&theater
[12] http://radiocampeche.com.br/2020/05/26/brejaru-e-frei-damiao-exigem-teste-de-covid-19/