Brasil-Eleição2022. Uma senzala chamada Brasil ou Paulo Guedes ou Projeto de Nação.

O autointitulado “Projeto de Nação” * requenta os valores de 1964: desconfiança com os civis, medo do fantasma do comunismo, o que inclui “inimigos internos” como deputados “extremistas”, STF e o MP .

 Boletim Ponto  

 

Uma senzala chamada Brasil

A volta do discurso ultraliberal de Guedes aos holofotes tenta conquistar o mercado

Olá, são 210 milhões de habitantes, mas o mercado quer governar sozinho. E para os demais, resta a agonia de uma vida privatizada e uma polícia que mata.

.Quanto vale ou é por quilo.

O tradicional Fórum Econômico de Davos foi uma oportunidade para que a mídia reencontrasse um velho personagem, o maluco liberal Paulo Guedes. Falando diretamente de seu universo paralelo, Guedes garantiu que o Brasil controla a inflação, prometeu reajuste aos servidores e ainda tirou onda que o país enfrentou a crise melhor que os países centrais.

A volta do discurso ultraliberal de Guedes aos holofotes tenta conquistar o mercado, diante da quarta mudança de presidente da Petrobras e da tentativa desesperada de Bolsonaro de segurar os preços dos combustíveis até depois das eleições, mesmo que isso signifique desabastecimento. O pior é que parte do mercado parece topar a proposta, apenas com a sinalização de uma inevitável privatização da Petrobras num segundo mandato. Outra parte aproveita os acenos de Guedes e Bolsonaro para botar a faca no pescoço e chantagear Lula.

Na prática, o que o alto PIB quer é que Lula não se comprometa em revogar a reforma trabalhista e nem o teto de gastos e diga logo quem será seu interlocutor com o mercado. Daí, o festival de chutes ou de nomes plantados no jornalismo econômico, que vão de Pérsio Árida à Jaques Wagner. Por hora, a campanha petista parece continuar apostando na tática de “jogar sem sair do lugar”, mas ignorando problemas maiores como uma possibilidade de ruptura institucional.

.Outra noite de 21 anos.

Para quem imagina que, numa hipotética derrota de Bolsonaro, a turma fardada voltará para a caserna, um documento produzido por três institutos ligados aos militares é um balde de água fria. O autointitulado “Projeto de Nação” requenta os já conhecidos valores de 1964: desconfiança com os civis, medo do fantasma do comunismo – agora chamado de “globalismo” – o que inclui “inimigos internos” como deputados “extremistas”, STF e Ministério Público. Para proteger os brasileiros de si mesmos, as forças armadas propõem um Centro de Governo (CDG), uma estrutura administrativa independente de quem ocupe o Planalto.

A estrutura completaria a militarização em curso desde 2018, nos cargos públicos, no orçamento e na transposição da doutrina e dos valores militares para a administração do Estado. A “novidade” é a incorporação de um ultraliberalismo, tornando a proposta uma espécie de “Ponte para o futuro” verde oliva, que prega a cobrança do SUS e de mensalidades nas Universidades Públicas – medida que aliás quase entrou em pauta no Congresso esta semana –  além de passar a boiada na legislação ambiental e reduzir o tamanho do Estado.

Isso é claro, sem mexer nos privilégios da corporação. Tudo em nome de uma tutela da sociedade “ameaçada pela ideologia”. É por isso que Thomas Traumann compara o cenário atual à eleição de Juscelino Kubitschek em 1958, só que dessa vez não haverá nenhum gen. Lott para conter a sanha golpista dos militares. Vale lembrar que outro aspecto da militarização tem sido a banalização da violência e a exaltação das forças de segurança, como visto na ação na Vila Cruzeiro, a 39ª chacina em apenas um ano de gestão do governador Cláudio Castro (PL), e no assassinato em um “camburão de gás” pela PRF em Sergipe.

.Guerra suja.

Claro que Bolsonaro aproveitou a ação policial  na Vila Cruzeiro para fazer campanha, afinal de contas foram seus ministros, Sérgio Moro e André Mendonça, que autorizaram o uso da PRF em operações fora de rodovias, resultando nesta e em outras duas chacinas. E o Secretário da PM do RJ deu uma mãozinha, culpando o STF pelo aumento da criminalidade no Rio.

Aliás, Bolsonaro também não se deu por vencido na sua ofensiva contra o ministro Alexandre de Moraes, insistindo na investigação por abuso de autoridade. Mas se na sua peculiar campanha eleitoral o capitão age como um pinto no lixo, no governo as coisas são mais complicadas. O Conselho da Petrobras parece ter se cansado de joguinhos e dessa vez esboça alguma resistência contra a troca no comando da empresa em menos quarenta dias.

No Congresso a relação também azedou quando o PL resolveu rebelar-se e seguir seus próprios interesses na eleição do novo vice-presidente da Câmara. E não é que até mesmo a Polícia Federal resolveu incomodar o governo com ações contra grupos aliados? Há também uma longa lista de casos de corrupção que inclui venda de serviços pelo MEC, suspeita de superfaturamento na compra de caminhões de lixo, tratores e ônibus escolares, tudo em conexão com o orçamento secreto gerido pelo centrão. Vai que o esgoto transborde pelo ralo nesse ano eleitoral! Por incrível que pareça, Bolsonaro recebeu boas notícias do exterior.

Mesmo que os europeus estejam preocupados com a questão ambiental, especialmente a destruição da Amazônia, o tom das críticas ao Brasil foi ameno em Davos. Da mesma forma, Bolsonaro pode ser beneficiado pelo fracasso da Cúpula das Américas, agendada para junho, depois que Joe Biden deu um tiro no pé ao tentar excluir Cuba, Venezuela e Nicarágua. É que para sair do isolamento Biden agora flerta com o capitão e propõe até um encontro entre quatro paredes.

.Tchau João.

Depois de uma carreira meteórica, João Dória corre o risco de seguir o mesmo destino do seu colega tucano Aécio Neves: a lata de lixo da história. Aproveitando-se do clima antipolítica, o empresário elegeu-se prefeito de São Paulo em 2016, e dois anos depois candidatou-se contra a vontade de Geraldo Alckmin e da ala majoritária do PSDB paulista a governador. Começou como “João Trabalhador”, passou pelo “BolsoDória” arrependido, chegou a ser o rei da vacina, para em seguida entrar no buraco.

Um retrato fiel do destino da direita que ajudou a eleger Bolsonaro acreditando que seria possível equilibrar-se entre situação e oposição, e agora é “surpreendida” sem projeto, sem liderança e sem votos. Rifado pelos próprios aliados (PSDB, MDB e Cidadania), o futuro de Dória é incerto. Afinal, o governo de São Paulo já está nas mãos de Rodrigo Garcia, que precisa desbancar Márcio França (PSB) e Tarcísio de Freitas (Rep) se quiser chegar ao segundo turno para enfrentar Fernando Haddad (PT). Por isso, ainda que o legislativo não seja sua praia, Dória talvez tente uma vaga para o Senado.

No plano nacional, o fracasso do voo de galinha dos tucanos aprofunda a crise da natimorta terceira via. Apesar do discurso de unidade, as disputas continuam, com Simone Tebet (MDB) tentando unificar os caciques de seu próprio partido, e (surpresa!) buscando apoio do mercado, enquanto Aécio Neves insiste no nome de Eduardo Leite (PSDB).

Já o PT quer abocanhar os 4% das intenções de votos que Dória tinha, tentando arrematar no primeiro turno. Afinal, como explica o cientista político Antonio Lavareda, uma eleição polarizada beneficia as maiores candidaturas. Esta é justamente a avaliação do PT, que já manifestou interesse em aproximar-se de Dória e aposta que as candidaturas de Simone Tebet e Ciro Gomes terão o mesmo destino que a do tucano. E se a última pesquisa Datafolha estiver correta, os frutos de Lula já estão sendo colhidos.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Pesquisadoras explicam por que chacinas como a da Penha são inúteis e usadas em campanhas. No Brasil de Fato, as pesquisadoras em Segurança Pública Jacqueline Muniz e Carolina Grillo explicam a ineficiência e o uso eleitoral de operações como a da Vila Cruzeiro.

 Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Rebeca Cavalcante

PS do Colaborador:

*Projeto de Nação, O Brasil em 2035

Documento  pode ser lido na íntegra aqui.

Fotoarte: “NÂO!”

 

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