Brasil-Ciência. Bolsonaro inimigo da Ciência. Carta Aberta

 

Singular, renúncia coletiva evidencia que o limite da paciência dos cientistas brasileiros com o negacionismo científico do governo Bolsonaro foi alcançado.

Cientistas renunciam coletivamente à honraria concedida por Bolsonaro

 

Blog do Pedlowski

Em uma situação inédita na relação entre a comunidade científica brasileira e um governo federal em pleno exercício,  21 cientistas brasileiros que foram nominados por decreto presidencial do dia 03 de dezembro para receberem a Ordem Nacional do Mérito Científico emitiram hoje uma carta aberta onde renunciam coletivamente à referida honraria.

Entre as razões apresentadas pelos pesquisadores, foram listadas a perseguição contra Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, que foram inicialmente agraciados com a concessão da Ordem Nacional do Mérito Científico, mas que posteriormente tiveram a honraria cassada por serem críticos da forma pela qual o governo Bolsonaro gere a pandemia da covid-19 no Brasil.

A carta dos cientistas também enfatiza que é inviável a aceitação de uma honraria científica concedida por parte de um governo que tem agido de forma negacionista em relação ao papel da ciência brasileira no desenvolvimento do Brasil, bem como os seguidos cortes orçamentários que “têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas“.

Ao longo da minha vivência acadêmica de mais de quatro décadas, considero que este documento é um dos mais agudos no sentido de apontar o fosso que separa a comunidade científica de um dado governo. Nesse sentido, essa renúncia coletiva é um momento singular que evidencia que o limite da paciência dos cientistas brasileiros com o negacionismo científico do governo comandado por Jair Bolsonaro foi alcançado.

Restará agora ao presidente Bolsonaro entregar para si mesmo e aos seus ministros a honraria científica a qual os cientistas estão renunciando. Idi Amin Dada nunca fez melhor! Enquanto isso, o espírito de Marlon Brando vive.

Leia a carta aberta dos condecorados em sua íntegra

Carta aberta dos cientistas condecorados com a Ordem Nacional do Mérito  Científico em 03/11/2011

Os cientistas abaixo assinados, condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, em decreto presidencial de 3 de novembro de 2021, vêm a público declarar sua indignação, protesto e repúdio pela exclusão arbitrária dos colegas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados, em novo decreto presidencial na data de 5 de novembro de 2021. Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à Ciência e Tecnologia por parte do Governo vigente.

Enquanto cientistas, não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas.

Como bem pontuaram a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em notas divulgadas no dia 5/11/2021, a Ordem Nacional do Mérito Científico, fundada em 1993, é um instrumento de Estado para reconhecer contribuições científicas e técnicas de personalidades brasileiras e estrangeiras. A indicação de membros agraciados é realizada por uma Comissão, formada por três membros indicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, três membros indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três membros indicados pela SBPC.

Nossos nomes foram honrosamente indicados por essa comissão, reunida em 2019. O mérito científico (como não poderia deixar de ser) foi o único parâmetro considerado para a inclusão de um nome na lista. Consideramos, portanto, gratificante nossa presença nessa lista, e ficamos extremamente honrados com a possibilidade de sermos agraciados com um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber em nosso país. Entretanto, a homenagem oferecida por um Governo Federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas. Em solidariedade aos colegas que foram suhttps://kaosenlared.net/wp-content/uploads/2022/01/69751e39686af408b0a05.jpgmente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação.

Outrossim, desejamos expressar nosso reconhecimento às indicações da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entidades que têm respeito duradouro em defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação na sociedade brasileira. Esse ato de renúncia, que nos entristece, expressa nossa indignação frente ao processo de destruição do sistema universitário e de Ciência e Tecnologia. Agimos conscientes no intuito de preservar as instituições universitárias e científicas brasileiras, na construção do processo civilizatório no Brasil.

Brasil, 6 de novembro de 2021

Assinam (em ordem alfabética)

 

Aldo Ângelo Moreira Lima (UFC)

Aldo José Gorgatti Zarbin (UFPR)

Alfredo Wagner Berno de Almeida (UEMA)

Anderson Stevens Leonidas Gomes (UFPE)

Angela De Luca Rebello Wagener (PUC-RJ)

Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira (IMPA)

Cesar Gomes Victora (UFPel)

Claudio Landim (IMPA)

Fernando Garcia de Melo (UFRJ)

Fernando de Queiroz Cunha (USP)

João Candido Portinari (Projeto Portinari)

José Vicente Tavares dos Santos (UFRGS)

Luiz Antonio Martinelli (USP)

Maria Paula Cruz Schneider (UFPA)

Marília Oliveira Fonseca Goulart (UFAL)

Neusa Hamada (INPA)

Paulo Hilário Nascimento Saldiva (USP)

Paulo Sérgio Lacerda Beirão (UFMG)

Pedro Leite da Silva Dias (USP)

Regina Pekelmann Markus (USP)

Ronald Cintra Shellard (CBPF)

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Em situação inédita, cientistas renunciam coletivamente à honraria concedida por Jair Bolsonaro

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Cesar Victora recusa medalha concedida por Bolsonaro

Referência mundial em epidemiologia, Cesar Victora justifica: não compactuo com perseguições a colegas e cortes no orçamento para a ciência. Nem com a forma de combate à pandemia deste governo

 Cida de Oliveira, da RBA

 

Em seus cursos e palestras, Victora faz questão de expor suas diferenças com o governo Bolsonaro

 

O epidemiologista Cesar Victora recusou hoje (5) o título concedido pelo presidente Jair Bolsonaro. Conforme decreto publicado ontem no Diário Oficial da União, o professor emérito da Universidade Federal de Pelotas foi promovido no âmbito da Ordem do Mérito Científico, passando de Comendador – título recebido em 2008 – para o grau de Grã Cruz.

Em carta enviada ao ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações de Bolsonaro, o astronauta Marcos Pontes, Victora comunica a recusa . E argumenta que não pode aceitar homenagem de um governo que boicota as recomendaçoes da epidemiologia e da saúde coletiva.

“Embora a distinção represente um importante – e talvez o maior – reconhecimento para qualquer cientista brasileiro, ela me deixou dividido”, diz em trecho da carta.

Oposição a Bolsonaro

A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não me parece pertinente. Como cientista e epidemiologista, tenho tornado pública, através de palestras e artigos científicos, minha completa oposição à forma como a pandemia de covid19 tem sido enfrentada por esse governo.

Victora se destaca em sua área pelas extensas pesquisas que realizou em diversos estados brasileiros. Além disso, atuou como pesquisador ou consultor em mais de 40 países, assessorando a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nacões Unidas para a Infância (Unicef) em questões de saúde e nutrição materno-infantil, amamentação, desigualdades sociais e avaliação de serviços de saúde. Daí resultou a publicação de mais de 700 publicações científicas e mais de 44.000 citações no Web of Science.

Entre as suas contribuições científicas estão a documentação da importância do aleitamento materno exclusivo para prevenir a mortalidade infantil e a construção de curvas de crescimento infantil atualmente adotadas em mais de 140 países. É membro do conselho editorial de várias revistas, inclusive a prestigiada The Lancet.

Victora recebeu o prêmio Conrado Wessel de Medicina em 2005,

Prêmio Scopus/CAPES por produtividade científica em 2006,

Prêmio Abraham Horwitz para Liderança em Saúde Inter-Americana, da OPAS, em 2008 – ano que foi agraciado com o grau de Comendador da Ordens Nacionais do Mérito Científico, bem antes de Bolsonaro. Dois anos depois, foi condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Médico.

Em 2011, recebeu o Prêmio Global de Pesquisa Pediátrica, em Denver, Estados Unidos. Em 2013, o Wellcome Trust Senior Investigator Award, com financiamento de sete anos para criar um Observatório Global de Desigualdades em Saúde Materno-Infantil.

Em 2017 ganhou o Canada Gairdner Global Health Award, em 2018 entrou para a Academia de Ciências da Unesco e nos três últimos anos foi incluído no Clarivate, uma lista na internet com os nomes dos pesquisadores mais citados no meio científico de todo o mundo.

Confira a íntegra da carta de Cesar Victora

Tomei conhecimento no último dia 3 da publicação no Diário Oficial informando minha promoção desde o grau de Comendador da Ordem do Mérito Científico, distinção a mim conferida em 2008, para o prestigioso grau de GrãCruz da mesma ordem.

Embora a distinção represente um importante – e talvez o maior reconhecimento para qualquer cientista brasileiro, ela me deixou dividido.

A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não me parece pertinente. Como cientista e epidemiologista, tenho tornado pública, através de palestras e artigos científicos, minha completa oposição à forma como a pandemia de COVID19 tem sido enfrentada por esse governo.

Mais ainda, enquanto cientista não consigo compactuar com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e em especial os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência têm sido utilizados como ferramentas para retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade cientifica brasileira nas últimas décadas.

Escrevi o texto acima antes de ficar ciente de que as indicações de dois colegas cientistas com posições críticas ao governo federal foram tornadas sem efeito, conforme o Diário Oficial de 5 de novembro. Tal atitude somente reforça minha decisão de não aceitar a distinção a mim oferecida.

Atenciosamente,

Cesar Victora

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PS do colaborador:

Fotoarte: “Inimigo da Ciência”

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