
1958 – o ano em que o regime tremeu
Quando a 14 de Maio de 1958 o candidato à presidência Humberto Delgado, numa sessão no Café Chave de Ouro, no Rossio, declarou: Obviamente, demito-o (referindo-se a Salazar, no caso de vitória eleitoral), o povo entrou em delírio.
Logo a seguir, Delgado mobilizou, no Porto, cerca de 200 000 pessoas na Praça Carlos Alberto, numa manifestação de apoio nunca vista. Depois de visitar a Póvoa do Varzim, regressou a Lisboa, onde a 16 de Maio a polícia disparou sobre a multidão. Apesar da repressão, o comício no Liceu Camões a 18 de Maio foi um êxito.
Perante esta inequívoca adesão massiva, Cunha Leal comunicou que retirava o seu projecto de candidatura e apoiava Humberto Delgado. Na noite de 29 para 30 de Maio, depois do acordo feito em Cacilhas com Delgado, Arlindo Vicente retirou também a sua.
Nessa altura, Jaime Cortesão, figura respeitadíssima da oposição, declarou: “Um governo autoritário, que vive à custa do silêncio dos adversários e nega os direitos do cidadão, pode impor-se num país de escravos, nunca a um povo que teve de lutar com extremos de bravura para fundar a sua independência e expandir-se no mundo. Nada de um português do velho cerne pode perdoar reduzirem-nos à condição de menor. É deste fundo de oito séculos de Nação que os portugueses aclamam o candidato independente. E por uma razão apenas: porque ele lhes prometeu, por forma heróica, as liberdades a que tem direito. Os verdadeiros nacionalistas são os partidários do general Humberto Delgado.”
Em Maio, uma carta dirigida por um grupo de católicos ao jornal Novidades critica o apoio dado ao Estado Novo por este órgão oficioso da Igreja Católica. Subscrevem-na personalidades que depois se vão destacar como militantes do PS (João Gomes, Manuel Serra, Nuno Portas), do MDP (Mário Murteira e Francisco Pereira de Moura) e do MES (Nuno Teotónio Pereira).
A 8 de Junho, dia das eleições, a oposição foi impedida de fiscalizar as mesas de voto. O Supremo Tribunal de Justiça proclamou os resultados do sufrágio: 75% para Tomás, 23% para Delgado.
A 13 de Junho, o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, escreveu a Salazar criticando a falta de autenticidade corporativista e social-cristã do regime. Isto valeu-lhe um exílio de onde só regressará com Marcello Caetano.
A 18 de Junho, Humberto Delgado decidiu criar o Movimento Nacional Independente, organização civil que adoptou o programa da candidatura de Delgado e declarou opor-se a todas as concepções totalitárias e à inclusão na sua organização de qualquer grupo, seita ou partido.
A 23 de Junho, os trabalhadores rurais do Couço proclamaram uma greve de protesto contra a burla eleitoral que durou cerca de 8 dias. A GNR cercou a vila e levou a cabo várias detenções.
Agitação em Beja, com a morte de um operário (30 de Julho).
Em Setembro, o bispo da Beira, D. Sebastião Soares de Resende, entrou em conflito directo com Salazar e chamou-lhe chefe manhoso e terrível. A 26 desse mês foi preso o escriturário dos Hospitais Civis de Lisboa Carlos Paredes (1925-2004), o guitarrista, condenado e libertado em 1959.
Também Henrique Galvão estava preso no Hospital de Santa Maria.
A 5 de Outubro, verificaram-se incidentes em Lisboa, junto à estátua de António José de Almeida: a polícia atacou manifestantes com gás lacrimogéneo. Delgado participou na manifestação com Arlindo Vicente, António Sérgio, Jaime Cortesão e Mário de Azevedo Gomes.
A 11 de Novembro, o governo anunciou que não autorizava a visita do deputado trabalhista britânico Aneurin Bevan, para realizar uma conferência para a qual fora convidado pela oposição. A comissão de recepção, constituída por Humberto Delgado, Francisco Vieira de Almeida, Jaime Cortesão, Mário de Azevedo Gomes e António Sérgio, depois de protestar formalmente, acabou por ser detida.
O regime, abalado, viu-se obrigado a uma remodelação ministerial profunda. Baltazar Rebelo de Sousa foi o único marcelista a ficar no governo. Em 6 de Dezembro surgiu a XII comissão executiva da União Nacional, e Henrique Tenreiro ficou com o controlo do Diário da Manhã. A 17 de Dezembro, Salazar decretou o segundo aumento da década aos funcionários públicos.
Planeou-se uma intentona delgadista, com Manuel Serra e o capitão Almeida Santos, para 28 de Dezembro. Prisão de dirigentes comunistas como Jaime Serra e Pedro Soares. Delgado acabou por optar pelo exílio.
Nos anos de 1958 e 1959 foram presos 40 funcionários do PCP e assaltadas vinte casas clandestinas, com destruição de tipografias.
Em 5 de Janeiro de 1959, Henrique Galvão fugiu do hospital de Santa Maria. Pediu asilo político na embaixada da Argentina e partiu, depois, para o exílio, transformando-se numa das figuras míticas do oposicionismo.